terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Vizinho da Lavadeira de Alverca (a da lenda)

Vivendo junto à Ribeira de Alverca, era na ribeira que aconteciam muitas das nossas brincadeiras.
Era ali que estavam muitos dos poços em que nadávamos, começando por aprender a boiar com os pedaços de cortiça atados ao peito, até já sermos capaz dos grandes mergulhos de cima das pedras para os poços, mas também com a capacidade de evitar alguns pedregulhos ali existentes, que poderiam causar graves danos nas nossas cabeças, se lá fôssemos bater.
Mesmo assim, alguns acidentes aconteceram.
Mas também na ribeira e bem perto do Chão de Alverca estava a ponte romana.
E perto desta, o charco onde havia uma grande quantidade de lavadouros, sempre ocupados pelas muitas lavadeiras que todos os dias para lá se deslocavam, na sua maioria vindas da vila do Fundão. Lavavam a sua roupa, mas também lavavam a de outras pessoas, fazendo disso uma ocupação, para ganhar dinheiro.
Naturalmente, que a lenda da lavadeira de Alverca não nos era indiferente, até porque minha mãe não a deixava cair no esquecimento.
Era a lenda da Quinta do Ouro, como era a da Lavadeira de Alverca, que se misturavam com o quadro da semana santa – por exemplo o domingo de Ramos – em que nenhum vegetal ou verdura eram consumidos na confecção das refeições, sendo as sopas feitas simplesmente de arroz, cebola e batata cortada aos cubos, para além de alguns temperos.
Contadas aos serões de inverno, as lendas adquiriam para nós foros de verdade, até porque no caso de Quinta-Feira de Ascensão, ainda era (ou já fora) dia santo de guarda, não se trabalhando, e mesmo as lides caseiras paravam quando chegava a uma hora da tarde, em que o sino da igreja tocava, e todos rezávamos as orações próprias do momento, que minha mãe bem conhecia.
O que se dizia de Quinta-Feira de Ascensão tinha o seu expoente máximo no ditado “se os passarinhos soubessem o que era Quinta-feira de Ascensão, não comiam nem bebiam, nem punham as patinhas no chão”.
E tudo tinha a ver com essa lavadeira que não respeitou o preceito sagrado de não trabalhar nessa hora, que se dizia ser aquela em que Nosso Senhor subiu aos céus, ao mesmo tempo que deveria rezar onde quer que se encontrasse. Mas, apesar de avisada, não o fez.
Ela encontrava-se, nesse espaço de tempo, a bater a roupa nos lavadouros da ribeira de Alverca, perto da ponte romana, e foi dali que sumiu com todos os seus pertences.
A partir de então, à uma hora da tarde de todas as Quintas-Feiras de Ascensão, ouvia-se o choro da lavadeira e o bater da roupa nos lavadouros da ribeira.
Isto era o que a lenda dizia.
À distância no tempo, procuro lembrar-me, mas não consigo, se alguma vez questionei os mais velhos sobre se tinham ido certificar-se do batimento nos lavadouros da ribeira, àquela hora de Quinta-Feira de Ascensão.
Porque eu posso garantir que nunca os ouvi.
E a razão é simples: nunca tive a coragem de ir à uma hora da tarde de Quinta-Feira de Ascensão, até junto dos lavadouros da ribeira.
Ali bem perto do Chão de Alverca.

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