sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

2. A casa

Numa casa de quinta, que desta se disse já estar encostada à estrada nacional, as acomodações são normalmente criadas e adaptadas conforme as necessidades, tanto em relação às pessoas como aos outros seres vivos.
Sei que a minha cama era numa espécie de camarata, paredes-meias com a loja das vacas.
Antes, recordo terem existido tarimbas no espaço mais amplo, onde se criou essa espécie de camarata.
E esse alojamento teve de ser feito, porque numa família que foi aumentando até sete filhos, para além do casal, eram necessárias acomodações destinadas aos rapazes da casa.
Porque os pais e as raparigas estavam instalados nos dois quartos contíguos, no centro da casa.
Até onde a memória me leva, recordo ter dormido aos pés dos meus pais, no lado da minha mãe, junto à parede.
Sei que era muito pequeno, embora não saiba se foi de forma continuada ou apenas num dado momento e por qualquer razão especial, como o de uma qualquer doença.
E uma visão também gravada na memória era que, ao olhar para cima, no meu alinhamento havia uma tábua larga suspensa do tecto, onde era colocado, coberto com uma toalha, o pão que vinha do forno, sendo retirado dali à medida que era consumido, o que durava cerca de uma semana.
Mais tarde o pão passou a ficar na “arquinha”.
Acontecia, por isso, ficar no quarto um aroma muito agradável quando o pão, acabado de coser, ali dava entrada.
Quando já não havia lugar aos pés de minha mãe, mas ainda pequeno, tive então uma cama só para mim, feita em madeira com um gradeamento que achava fantástico e que nunca me cansava de acariciar e polir com as mãos, colocada no meio e em posição perpendicular às outras duas camas da camarata.
Uma obra de marcenaria feita pelo meu pai, que depois terá sido dada a algum sobrinho ou afilhado.

Outros tempos, outras gentes - a esquina da casa com a lojinha ao fundo

Mas a planta da casa era muito simples.
Tinha a sua entrada a partir da tal faixa que, do outro lado, tinha a lojinha.
A partir da porta e num amplo espaço, que foi dividido com uma taipa em madeira, havia para a esquerda a cozinha, deixando o resto para a sala das refeições.
Esta parte, toda ela forrada a madeira por cima, tinha para além da mesa familiar, o arcaz, onde se guardava todo o tipo de cereais, e uma outra arquinha, que já referi atrás, onde se guardavam variados produtos comestíveis, como o pão para ser servido às refeições, que ali se mantinha sempre macio.
Mas havia outros móveis e uma cantareira, de que me lembro ser enfeitada com papel colorido com uns recortes que pareciam bordados.
Já foi referido que a cozinha era apenas forrada em parte, uma vez que no sítio da lareira era em telha vã, para o fumo sumir.
Também aqui havia uma outra cantareira, onde se guardava loiça mas também os cântaros da água, e por isso o seu nome.
E lá ao canto havia a pilheira, ou seja, o sítio onde se juntava a lenha e se ia acumulando alguma cinza até ser retirada, para ser espalhada nas terras de determinados cultivos ou de plantas, como os alhos.
E era nesse canto da lareira, com o lume a crepitar, que muitos invernos foram passados, com as histórias a animar os longos serões. Algumas serão desenvolvidas noutro capítulo.
O cantinho sobre a lenha era sempre muito disputado pelos mais pequenos, já que os maiores tinham o seu assento nos mochos e bancos de madeira que ali havia.
Mesmo rindo das histórias, muitas vezes se chorava, porque o fumo remoinhava e vinha para os olhos que se defendiam com as lágrimas.
Era então que algum dizia: “o fumo vai para os formosos e tanto lhes dá até que os põe ranhosos…”.
Passando pela sala, com os dois quartos, passava-se ao espaço onde foi feita a camarata, que apenas ocupava uma pequena parte.
Todo o resto era arrecadação e depósito de muitos produtos e material agrícola, dali partindo uma escada para o sótão, por nós chamado de sobrado, que também era local de arrecadação de muitos produtos agrícolas, alguns dos quais haviam de ficar durante o inverno, como cereais, maçãs, figos secos, etc.
Continuando em frente, chegava-se a uma pequena porta que dava para a loja das vacas.
Era o estábulo onde havia quase sempre duas vacas adultas e por vezes um ou dois bezerritos, que eram uma atracção para nós.
Algumas ovelhas ou cabras também ali estavam instaladas, por vezes com as suas crias, embora afastadas das vacas, que as não toleravam ao pé de si.
E até os poleiros das galinhas estavam neste espaço, embora dentro duma capoeira suspensa em estacas e com entrada dos animais por um buraco através da parede, para o exterior, de onde se recolhiam ao anoitecer.
Claro que havia sempre a preocupação de tapar a entrada, não acontecessem como aconteceram, as visitas de alguma raposa ou de cães que gostavam de ir recolher ovos.
Sucedeu aliás, que a forma de desabituar um desses cães, foi encher o cascarão dum ovo com borralho quente e deixá-lo lá como isco.
E o remédio foi eficaz, pois o cão caiu no engodo e queimou-se.
Não mais lá voltou.

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