domingo, 21 de fevereiro de 2010

7. A matança do porco

A par da malha dos cereais, a matança do porco representava também um momento muito especial de reunião da família.
A nossa era bastante extensa – o casal e sete filhos – mas havia sempre mais alguns familiares, amigos ou vizinhos que aumentavam o grupo para matar o porco.
E a matança do porco tinha o sei ritual próprio.
Vinha alguém com experiência na forma de matar o animal, sem que ele sofresse demasiado, e as outras tarefas eram distribuídas pelos restantes.
Trazido do curral, logo aí o bicho se manifestava ruidosamente, como se adivinhasse o destino que o esperava.
Já sem vida, era posto em cima de uma bancada e, se esta não existisse, improvisava-se uma com a grade de amanhar a terra.
Era chamuscado e bem raspado, para que não restassem pêlos no corpo.
A quando da morte, era logo sangrado, aproveitando-se o sangue para fazer morcelas.
O especialista que o havia morto também o abre e, com mestria, vai esquartejando de modo que todas as partes tenham o devido aproveitamento.
Há morcelas e chouriças para fazer, carne mais gorda para salgar, vísceras que hão-de ser seleccionadas para esses enchidos, febras e costeletas de consumir em grelhados e outras carnes para cozidos, para além das coxas que depois de salgadas e tratadas hão-de consumir-se como presunto.
Mas ao longo de um dia em que tudo isto se desenrola, o grupo assim reunido vai tendo sempre a companhia da jarra do vinho, que desce de nível no pipo que arrecada esse néctar, que lá na quinta era preparado com outros frutos silvestres e maçã camoesa, que lhe dava um sabor inigualável.
Assim que era aberto o porco, retirava-se uma víscera a que era dado o nome de “passarinha” que, depois de assada, justificava os primeiros copos do dia.
Entretanto, já as mulheres se encarregavam de lavar as tripas para os enchidos, porque nessa altura não havia substituto para as tripas.
A água corrente tinha o seu papel importante na lavagem das mesmas e, normalmente, um dia não chegava para serem executadas todas as tarefas relacionadas com a preparação dos enchidos.
No dia seguinte continuavam e, se necessário fosse, ainda ia para além desse dia.
A salgadeira já teria sido preparada para receber as partes que haviam de ser conservadas em sal, uma vez que não havia arcas frigoríficas que aliviassem as pessoas nesse aspecto.
A hora da refeição chegava e já com partes do porco a serem grelhadas, tratava-se da barriga das pessoas e o momento iria transformar-se numa reunião festiva, que se prolongava até ao fim do dia.
E os momentos de brincadeira iam acontecendo, com partidas aos que não conheciam o ritual, a quem era sempre dedicada a primeira morcela ou “morcela do banco”, que não era mais do que as fezes do animal, que libertava na hora da agonia.

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