segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

18a. A galena e uma história derivada

Já aqui relatei como a música ou as notícias, vindas das ondas hertzianas, chegaram aos meus ouvidos, quando muito jovem. Sem electricidade ou rádio funcionando a baterias, foi através de uma “galena”, montada segundo um esquema muito simples, que me permitiu usufruir desse verdadeiro privilégio, na altura.
Quanto ao som, não amplificado, só no profundo silêncio da noite se conseguia ouvir nos auscultadores, graças a uma antena de mais de 100 metros.
Só por curiosidade, aqui fica o esquema de montagem.
Entretanto, a galena ficou como um dos meus objectos de estimação, entre os muitos que guardei desde a minha juventude.
Quando já trabalhava, pois comecei aos 11 anos, logo que saí da escola, resolvi levá-la para o local do emprego e tentar tirar partido dela, se um relato de futebol ou outro acontecimento despertasse as atenções.
Como era necessária uma antena, que possibilitasse uma boa recepção do sinal, tratei de fazer experiências com os fios que chegavam ao escritório para outros fins. Desde logo o da electricidade foi excluído, por razões óbvias. Mas a experiência com o fio que entrava para a central telefónica, deu um resultado extraordinário.
Entretanto a galena foi escondida numa das gavetas da minha secretária, onde tinha os auscultadores à mão, mas esta ficava longe da central telefónica.
Foi então que resolvi passar pela ranhura das tábuas do soalho, um fio metálico muito fino, aproveitado da bobine de um motor eléctrico, desde a secretária até à central telefónica.
Bem dissimulado, lá o fiz chegar à caixa de entrada dos fios e, depois de ligado a um deles, a galena passou a ter um desempenho fantástico.
Tudo parecia estar a funcionar às mil maravilhas até ao dia em que tive de ficar em casa devido a uma dor de barriga ou gripe, não sei bem.
Nesse dia, por azar meu, a central telefónica avariou e chamaram um técnico dos telefones. Pesquisa para lá, pesquisa para cá, descobre o fio ligado à caixa de entrada dos fios do telefone.
Contaram-me que, de imediato deu conhecimento à central, de onde recebeu ordens para aguardar pela chegada de um outro técnico, seu superior, que começa então a puxar o fio que o levou à gaveta da minha secretária.
Perante a galena, que imaginou ser um aparelho de escuta, liga também para a central e pouco tempo depois chega um polícia. Convém lembrar que se estava num tempo de existência da polícia política do regime.
Mandaram então uma pessoa chamar-me a casa, que me foi dizendo que estava lá um polícia à minha espera. Mas não sabia dizer-me qual a razão da minha chamada.
Aí também a minha mãe entrou em cena, perguntando incessantemente: “o que tu andaste para aí a fazer … ?!”
Durante todo o caminho, as pernas pareciam não querer andar, mas lá cheguei acagaçado pelo medo, até ao polícia que me pergunta para que era aquele aparelho que tinha ligado ao telefone.
Expliquei então que era só para ouvir música ou alguma notícia, mas apesar disso, a galena foi desligada e levada por ele. Já não recordo se veio a ser-me devolvida.
Embora preocupado em relação ao que os patrões poderiam dizer-me por ter ali aquela fonte de distracção, felizmente que da parte deles não houve nenhuma palavra de condenação e até ajudaram a desvalorizar o meu atrevimento em ligar o fio à central telefónica.
E foi um grande alívio ouvir dizer a deles que tudo aquilo era fruto de eu ser um coca-bichinhos.

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